Lavando dinheiro

Dançando na lavanderia

Edward Magro | 05/09/2025

Li no zap-zap que Tarcísio disse, na Bolsa de Valores de São Paulo, que o mercado financeiro vai “proporcionar a redução das desigualdades”, como se fosse um tipo de motor da justiça social.
Incrédulo, não acreditei.
Assombrei-me, perplexizei-me, fiquei pasmado.
Reli o post; havia um link. Cliquei receoso, temendo vírus, um cavalo de Troia, alguma armadilha digital. Não era cavalo nem Troia; era apenas Tarcísio, entoando o mantra da “mão invisível”. Essa que, invisível, aperta gargantas enquanto coleciona moedas, tão diligente em concentrar riqueza, agora se convertera em irmã caridosa, repartindo o pão, acolhendo pobres e desgraçados.

Acreditei. Não no mercado, evidentemente. Mas na desfaçatez. Pois é disso que se trata. Tarcísio não mente ao mercado; mente pelo mercado, em nome do mercado. Ele não tenta convencer banqueiros de que reduzirão desigualdades; tenta convencer os pobres de que, os endinheirados, já reduziram algo além de suas próprias culpas fiscais.

Como disse noutra crônica, Tarcísio dança — e dança para ser visto. A coreografia é sempre a mesma: passos calculados diante do fascismo doméstico, gestos largos para que o rebanho o veja, sorriso de vitrine, sorrindo apesar da cara de areia mijada. O ex-ministro de Bolsonaro e atual governador de si mesmo se oferece, ensaia uma agachadinha, um quadradinho de quatro à la funk carioca, como corpo disponível ao culto de um chefe futuro. É um bailado de sedução política, ainda que executado por um corpo desengonçado, num político ainda mais desengonçado.

Entre agachamentos, rodopios, giros e piruetas imaginárias, Tarcísio inventa até mesmo uma parceira de dança: a prometida “lei da anistia a Bolsonaro”. Sabe que é ficção, sabe que não passa de miragem jurídica, mas a exibe como quem oferece à plateia uma bailarina etérea. O público não exige consistência. Exige espetáculo. Tarcísio espetaculiza. Mesmo que, em seu íntimo, alimente o desejo inconfessável de ver Bolsonaro finalmente entregue às mais profundas profundezas do inferno, consumido e evaporado pelo fogo eterno, Tarcísio encena e espetaculiza, enquanto, no fundo, apenas espera que o calor do inferno faça o serviço sujo por ele.

Nesse compasso esquizofrênico, nos é permitido imaginar Tarcísio, como adolescente, refugiado no banheiro, onde sonha ser rei. Ali, no trono de louça, imagina-se em palanque, desfilando passos de gala diante de uma plateia invisível. Firma-se no assento, convicto de que a descarga — menos indulgente que a História — poderia confundir Tarcísio com Tarcísio mesmo e levá-lo na descarga, como é esperado de uma descarga funcional e operante. O cenário é grotesco, mas a imagem lhe assenta. Afinal, a solidão da latrina é mais sincera que o teatro público em que se imagina salvador ungido pela Faria Lima.

Porque é exatamente para os farialimers que Tarcísio volta a bailar. Baila para os endinheirados das lavanderias elegantes do Primeiro Comando do Capital, onde dinheiro sujo e capital imundo coexistem com naturalidade. Vai, apresenta-se, oferece seu corpo político como produto, como vitrine de um condottiere de segunda mão, pronto para comandar os exércitos do fascismo brasileiro.

E se o coraçãozinho fofo do cara de areia mijada pulsa contente é porque sabe: a bênção dos rentistas vale mais que qualquer fidelidade do rebanho. O gado, afinal, não tem lealdade ao ex-capitão. Troca de um miliciano a outro miliciano com a mesma rapidez com que ajoelha diante de um pneu, com que reza num muro de quartel como se tocasse trombetas numa Jericó celeste, com a mesma certeza de que tudo se resolverá em 72 horas, bastando apenas fé e tenência.

É esse cálculo que o anima: Tarcísio não precisa de dinheiro, mas aceita o que vier. Dinheiro abundante é sempre bem-vindo — sobretudo quando se pretende transformar o Palácio do Planalto em quartel-general de privatizações e de retrocessos, em sede do fascismo, mas também do milicianato.

Não nos enganemos: Tarcísio pode até ser burro (e tudo leva a crer que o é), mas não é besta.
O jogo que joga é claro: oferecer-se como condottiere de fancaria, pronto para conduzir as tropas desorientadas do fascismo nativo. O perigo não está em sua desinteligência, mas em sua utilidade. Pois um tolo obediente é, muitas vezes, mais funcional que um gênio hesitante.

E é assim que Tarcísio, embalado por seus próprios delírios, se insinua como candidato à chefia do rebanho: bailando entre banqueiros, sonhando entre descargas e oferecendo, como mercenário, seu corpus miliciano ao fascismo brasileiro.

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Este post tem 2 comentários

  1. Carlos Magro

    Dimais Edward, o máximo de novo. oferecendo, como mercenário, seu corpus miliciano ao fascismo brasileiro, 👏

  2. Berenice Reis

    Tarcísio é síntese de tudo o que não presta.
    Tomara que o povo tenha consciência e vote corretamente.
    Seu texto, como sempre excelente.