Netanyahu, mentiroso

Enough is Enough!

  • Categoria do post:Barbárie
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29/05/2025

“O que estamos fazendo em Gaza agora é uma guerra de devastação: assassinatos indiscriminados, ilimitados, cruéis e criminosos de civis.”
“Sim, Israel está cometendo crimes de guerra.”

Não fui eu quem escreveu essas palavras — tampouco um militante palestino, um intelectual progressista ou um ativista pan-arabista. Foi Ehud Olmert, ex-primeiro-ministro israelense, quem as redigiu, em artigo publicado no Haaretz, sob o título: Enough Is Enough. Israel Is Committing War Crimes. Olmert não é dissidente. É herdeiro direto do establishment israelense, homem do Likud — o mesmo ventre político que pariu os repulsivos Menachem Begin e Ariel Sharon e, por fim, deu à luz o genocida abjeto Benjamin Netanyahu. Olmert é um conservador que moldou, por décadas, os subterrâneos do Estado israelense; quando essa voz rompe o pacto de silêncio, não se trata de conversão ideológica, mas de colapso ético: a monstruosidade deixou de ser desvio — tornou-se doutrina de Estado.

A palavra que Olmert escolhe — “monstruoso” — não é figura de linguagem. É diagnóstico. Palavra de quem conhece os circuitos internos da máquina e, ainda assim, vacila diante daquilo em que ela se tornou. O que se vê em Gaza não é uma guerra, mas um experimento. Não há teatro de operações — há um laboratório de ruína. Um lugar onde a devastação de civis não é dano colateral, mas engrenagem essencial de um projeto que vende segurança ao custo da aniquilação do outro.

Chamar isso de guerra é um gesto de covardia semântica. Gaza não é um campo de batalha — é um alvo fixo, submetido a uma coreografia meticulosa de destruição. Cada bairro que se torna entulho, cada escola que se dissolve em fumaça, cada hospital convertido em cemitério provisório revela, não o ímpeto de autodefesa, mas o cálculo glacial de uma política de extermínio. Um programa executado com método, respaldo jurídico, cobertura diplomática e financiamento internacional. O nome disso não é defesa. É genocídio.

A monstruosidade, aqui, não se manifesta como exceção. É arquitetura. Doutrina de Estado, engrenagem burocrática, racionalidade técnica a serviço do abismo. Olmert, com precisão desconcertante, chamou isso de “política privada” — não no sentido econômico, mas no clínico: uma psicopatologia tornada programa nacional. Netanyahu, acossado por acusações de corrupção, dissensões internas e por um passado que já não o serve, transforma seu ocaso numa cruzada. Faz da carnificina seu palanque, da destruição de Gaza seu projeto de salvação pessoal.

A linguagem que envolve esse massacre tornou-se grotesca. “Cirurgia de precisão”, dizem os porta-vozes, enquanto amputam cidades inteiras. “Combate ao terrorismo”, proclamam, enquanto bairros são vaporizados sob o pretexto de túneis invisíveis. “Autodefesa”, repetem — até mesmo na Cisjordânia, onde o Hamas não opera, mas onde colonos armados, com respaldo do Estado, executam sua versão da solução final à luz do dia. Já não se trata de neutralizar uma milícia. Trata-se de apagar uma nação. E isso já não é alegação — é constatação.

Há, aqui e ali, sinais tênues de um desconforto que rompe, com esforço e hesitação, o manto de silêncio que por décadas se estendeu sobre a Europa. Friedrich Merz, figura central do conservadorismo alemão, ousou dizer o indizível: que a luta contra o Hamas já não justifica o que ocorre em Gaza. Parece pouco, mas, vindo de quem vem — de um país que carrega nos ombros o peso histórico do Holocausto e que, sob esse fardo, blindou Israel com uma imunidade moral quase absoluta — não é gesto trivial. A culpa, justa em sua origem, foi, ao longo dos anos, instrumentalizada com astúcia por um projeto que confundiu memória com licença, justiça com impunidade. A Alemanha, potência econômica e diplomática, tornou-se refém de sua própria história, aprisionada pela chantagem simbólica de um passado que não se redime calando o presente. E quando, mesmo ali, entre os zeladores do silêncio europeu, alguém começa a ver, é porque a realidade irrompeu com tal violência que já não pode ser contida pelas palavras de sempre. Há horrores que, de tão escancarados, já não cabem nas fórmulas da diplomacia — e exigem, ainda que com voz trêmula, a coragem de nomear.

Gaza é, em muitos aspectos, o Gueto de Varsóvia do século XXI — drones em vez de SS, tanques em vez de baionetas, mas a mesma lógica implacável: cercar, sufocar, apagar. O que se vive ali não é um conflito — é uma pedagogia da barbárie transmitida em tempo real: cadáveres infantis empilhados em sacos plásticos, mães escavando a terra com as mãos para enterrar seus filhos, ambulâncias impedidas de circular, escolas dissolvidas em poeira e sangue. E, enquanto tudo isso acontece diante das câmeras, a comunidade internacional se divide entre a paralisia dos protocolos e a hipocrisia ensaiada das declarações de ocasião, como se o horror pudesse ser administrado com vocabulário diplomático. Gaza é também, e sobretudo, o espelho invertido da história — não por força de analogias fáceis, mas por uma tragédia moral de dimensões insuportáveis. O povo que conheceu a maquinaria do extermínio ergue agora seu poder sobre a ruína de outro, repetindo com outros meios o que o século XX prometera jamais tolerar. Não há redenção possível onde a memória do Holocausto se converte em blindagem para a barbárie contemporânea; há apenas o cinismo, que é a forma mais sofisticada da indiferença. E o cinismo, aqui, não é acidente de percurso — é a gramática oficial do horror.

Não se trata de negar a complexidade do conflito israelense-palestino. Trata-se de reconhecer que essa complexidade foi soterrada sob os escombros. O que resta é o óbvio: Israel comete crimes de guerra em escala industrial, com método, intenção e impunidade. Negar isso é perpetuar a fábula de uma neutralidade que não passa de cumplicidade.

O mais perturbador, porém, não é a monstruosidade em si — é sua normalização. O fato de que ela já se defende em fóruns internacionais com gravatas discretas e vocabulário técnico. A transformação da barbárie em linguagem de Estado, da violência em norma, do extermínio em política pública. Quando isso ocorre, o silêncio já não é omissão — é pacto ativo com a desumanização.

Ehud Olmert viu e nomeou. Friedrich Merz, ainda que comedidamente, assinalou. A pergunta que se impõe não é se haverá mais vozes, mas se ainda restam ouvidos. A verdade não se esconde — ela grita entre os escombros. Está documentada, verificada, irrefutável. O que falta não é informação. Falta coragem — para romper com o conformismo moral que permite, em nome da segurança de uns, o aniquilamento calculado de outros.

Não se escreve, aqui, para convencer os indiferentes. Escreve-se para que a verdade não se perca no ruído da covardia. Para que a linguagem, ao menos ela, não se renda por completo ao horror. Porque há momentos em que calar é consentir. E há silêncios que, quando prolongados, apodrecem — até que já não haja sequer palavras para nomear aquilo que se tornou norma.

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