Daniel Zonshine com Bolsonaro

Israel é a estética da mentira

17/06/2025

Acabo de assistir à entrevista de Daniel Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, concedida ontem ao G1. Como de hábito na diplomacia israelense, o bolsonarista Zonshine fala nosso idioma com a destreza de um turista desavisado, trajando uma camiseta pirata de um clube de futebol local, adquirida ao acaso num camelódromo de esquina – um gesto de desprezo diplomático que não se pode ignorar. No entanto, o Zonshine-monoglotismo é, de longe, o menor dos problemas. O embaixador nazissionista é a encarnação ambulante da máquina de desinformação israelense.

Ficou claro, na entrevista chapa-branca, que a única função da diplomacia israelense no Brasil é a construção de um bunker da mentira – uma obra de engenharia desinformacional que não faria feio ao lado do gabinete bolsonarista do ódio.

Tenho por mim que Israel, ao edificar sua identidade como Estado-nação, optou, sem hesitação, por fazer da mentira a sua condição de existência. Não falo aqui de deslizes ocasionais ou de contradições diplomáticas. Falo de uma mentira sistemática, institucionalizada, cuidadosamente lapidada como um diamante de mil quilates.

Desde Theodor Herzl, que, com pose messiânica e cálculo cínico, vendeu ao mundo a fábula de um “povo sem terra para uma terra sem povo”, o sionismo europeu já se apresentava ao mundo com o verniz do falseamento histórico, uma fraude diplomática sustentada com a consistência moral de um pudim de tapioca.

Nascer mentindo teria sido uma tragédia; transformar o ato de crescer mentindo em projeto de Estado, porém, foi uma escolha calculada, fria, meticulosamente levada a cabo. Israel escolheu esse caminho com uma naturalidade cínica, sem embargos éticos ou morais. Quando, em 1948, a ONU decidiu inscrevê-lo no mapa, traçando as fronteiras com a tinta espessa do sangue palestino, as amarras da vergonha já haviam sido descartadas há muito, como entulho ideológico herdado de antepassados que, em outros tempos, ainda fingiam crer nas leis morais de Moisés. Rasgaram o Nono Mandamento como quem rasga um panfleto de ofertas de supermercado. O que se seguiu foi a consolidação de um modo de existência pautado pelo falseamento metódico da realidade. A diplomacia israelense tornou-se, então, uma escola avançada de pós-verdade – quando sequer o termo existia –, abrigada não em um Ministério das Relações Exteriores, mas num Ministério de Relações Ficcionais.

Nos pouco mais de quinze minutos de entrevista, o embaixador bolsonarista transformou cada pergunta em um trampolim para múltiplas camadas de mentira. Sobre Gaza, sobre o número de mortos, sobre os ataques a civis, sobre o bloqueio humanitário, sobre o estoque de armas nucleares israelense, sobre os bombardeios ao Irã, sobre as ações terroristas no território iraniano, sobre a ocupação da Cisjordânia – tudo, absolutamente tudo, foi manipulado com a deselegância retórica de um advogado de milícias. Cumprindo o roteiro esperado, o jornalismo da Globo – sempre zeloso na sua posição de operário do lobby sionista – não se deu ao trabalho de contestar. Ficaram todos ali, com aquele sorriso de canto de boca, registrando a vilania sem sequer uma interjeição de surpresa. Apenas uma tímida pergunta, feita por um repórter claramente fora do script, arranhou a crosta de cinismo: “Por que Israel segue mentindo ao mundo sobre seu arsenal nuclear, enquanto exige do Irã uma transparência que jamais praticou?”. Zonshine sorriu, tergiversou e mentiu mais uma vez. Ninguém retrucou. A Globo, por precaução sionista, retirou do ar essa parte da entrevista.

É conveniente lembrar o episódio do Museu do Holocausto – o da tragédia judaica, não o da tragédia palestina, que segue sendo escrita em capítulos diários de sangue e ruína pelo exército nazissionista de Israel. Em maio de 2024, o então chanceler israelense, Israel Katz, convocou o embaixador brasileiro para uma encenação grotesca. A cena: um salão do museu, câmeras estrategicamente posicionadas, microfones abertos e um discurso ofensivo, em hebraico, repleto de acusações e ataques morais ao Brasil, que havia cometido o imperdoável crime de votar na ONU a favor de uma investigação sobre os crimes de guerra israelenses em Gaza. Katz, como é de seu feitio, transformou a diplomacia em um circo de bullying estatal, com transmissão no Twitter, imagens instagramadas e cortes no TikTok. A diplomacia, para Katz, é um palco de humilhações, no estilo Trump de ser e fazer.

Diante da agressão, o Brasil decidiu não mais expor seus diplomatas a esse tipo de humilhação de baixo calão. Retirou o embaixador de Tel Aviv e congelou as nomeações para o posto. Questionado sobre essa ausência na entrevista ao G1, o embaixador bolsonarista de estimação, fiel à cartilha da dissimulação, respondeu com um sorriso plastificado: “É uma decisão soberana do Brasil não ter embaixador em Israel”. A verdade, evidentemente, foi escondida do espectador, com a cumplicidade passiva dos jornalistas que, mais uma vez, não o questionaram.

A diplomacia israelense fundamenta-se na mentira, amparada pela serenidade de quem tem a certeza da impunidade. Mente com a naturalidade de quem respira. Mente com a segurança de quem sabe que a imprensa ocidental propagará a mentira sem pestanejar. Mente com a técnica de um ourives, que não admite imperfeições na lapidação de sua obra. Mente com a obstinação de quem sabe que, sem a mentira, o castelo desaba. Mente porque o Ocidente aplaude, financia, protege e, ao final, legitima. Hoje, numa coreografia simbiótica Israel-Ocidente, a declaração conjunta dos líderes do G7 “afirma que Israel tem o direito de se defender do Irã”.

Por isso, a frase que hoje circula nas redes sociais de maneira quase poética – “Without lies, Israel dies” – é menos um slogan de protesto e mais uma definição sociológica. Sem a mentira como ferramenta de poder, Israel não conseguiria sustentar nem um único dia de sua arquitetura geopolítica.

O que Israel Katz fez com o embaixador do Brasil, e o que Daniel Zonshine segue fazendo diante das câmeras, não são casos isolados de destempero ou lapsos diplomáticos. São a expressão refinada de um projeto de poder cujo método é o abuso, cujo combustível é a mentira e a desinformação, cujo único objetivo é a perpetuação da violência sob o verniz da legitimidade internacional – ainda que Israel, em essência, seja um Estado pirata.

Israel Katz, Daniel Zonshine e todo o aparato diplomático israelense não representam apenas um Estado. Eles encarnam uma estética da mentira convertida em arte política. Cada gesto, cada encenação, cada evasiva – um ato de violência simbólica. Pois mentir sem vergonha é também mentir para encobrir a sua própria violência real.

Enquanto o mundo segue contando corpos em Gaza, Israel segue contando mentiras. Com a mesma frieza. Com a mesma arrogância. Com a mesma vilania. Pois, afinal, um Estado que só respira através da mentira só pode existir assim: mentindo até o último fôlego.

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