O adeus de Lula a Mujica e o gesto que transcendeu a política

Pepe Mujica & Lula

O adeus de Lula a Mujica e o gesto que transcendeu a política

  • Categoria do post:Política
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15/05/2025

Há despedidas que se dão no tempo. Outras, no espírito. A de Lula e Pepe Mujica foi das que se inscrevem na carne da história — mas também nas dobras mais íntimas da alma.

Lula não alterou uma agenda internacional extremamente importante para “faturar” com a morte de um velho amigo, como já insinuam — com a previsibilidade de sempre — os de sempre. Estava em viagem quando soube do fim de Pepe, e a família do ex-presidente uruguaio — num gesto de rara grandeza e delicado afeto — decidiu adiar o enterro para que o brasileiro pudesse se despedir do corpo daquele que, para ele, fora irmão de jornada, companheiro de trincheiras, espelho de coragem.

Mas a verdadeira despedida — a “despedida das almas”, aquela que toca o que há de mais humano entre dois homens que se amaram como camaradas e se respeitaram como poucos — essa já se dera meses antes. Em dezembro, Lula foi ao encontro de Mujica, ainda em vida, em sua casa-sítio, para vê-lo, tocá-lo, homenageá-lo. Levou-lhe a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria do Brasil — não como gesto protocolar, mas como uma espécie de sacramento civil: o reconhecimento de um homem bom por outro.

Ao entregar a honraria a Mujica, Lula condensou em poucas palavras a força de um encontro raro: “A gente não escolhe irmão. A gente não escolhe sequer a mãe. Mas um companheiro, a gente escolhe.” Ao que Mujica, com serena sinceridade, respondeu: “Eu agradeço, querido. Não sou um homem de prêmios e medalhas. Sou um homem do povo. Obrigado por termos nos encontrado nessa caminhada.” No breve e profundo diálogo, dois homens reconheceram, um no outro, não o cargo, mas a alma — que é quem une as pessoas.

Foi um encontro de choros contidos e incontidos, de abraços longos, de beijos na fronte e nos olhos, de lágrimas. Muitas lágrimas. Ali, ambos sabiam que era o fim. E, no fim, não havia Estado, nem palanque, tampouco cálculo. Apenas a despedida de dois velhos militantes, marcados pelo cárcere, pela pobreza, pelas derrotas — e pelas raras, árduas vitórias. A despedida de dois homens que lutaram — e ainda lutam, em seus corpos feridos e em suas palavras teimosas — pela ideia de um mundo menos cruel.

Qualquer tentativa de deformar esse gesto, de enxergar cálculo onde houve ternura, é mais que um equívoco: é vileza. Interpretar a ida de Lula ao velório de Mujica como artimanha política é ato de quem perdeu o senso da dignidade — e do silêncio que a morte exige. Há momentos em que o respeito deve calar a suspeita — e este é um deles.

Entre tantas farsas e falsos gestos que habitam a cena pública, a despedida de Lula e Mujica foi real. Real como os olhos marejados, como as mãos entrelaçadas, como a dor que se diz sem palavras. E, por isso mesmo, é um testemunho raro: ainda há espaço para a ternura na política. Felizmente, ainda há homens que sabem se despedir com amor — e ternura.

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