Fux por aroeira

O intestino-voto de Fux

Edward Magro | 11/09/2025

Na sessão de terça-feira, Luiz Fux fez questão de tumultuar a discussão sobre apartes. Criou mal-estar na sessão, afirmando que havia sido combinado que não haveria interrupções nos votos. Apesar de ter virado chacota e combustível para uma explosão de memes, aquele siricotico não foi um capricho qualquer: queria garantir para si o direito de ocupar, no dia seguinte, todo o tempo necessário da reunião para recitar seu discurso histórico em defesa do golpe de Estado. O surto da terça rendeu a Fux, na quarta, onze horas — onze intermináveis e nauseantes horas — como se o plenário fosse banheiro público e ele, trancado num cubículo, sentado no vaso, evacuasse pedaços de si próprio. Fux não queria debater, queria apenas expelir. E, com impressionante disciplina, pôs para fora tudo o que lhe havia grudado nos escaninhos mais escondidos de sua mente fascistossionista.

Sem surpresa alguma, esse exercício intestinal de oratória resultou na defesa intransigente do que, na mente de todo fascista, é um direito inalienável: o extremismo como licença para destruir toda alteridade. Está rendilhado, escondido, mas claramente dito e defendido no fuxiano voto: o direito ao genocídio bolsonarista, que deixou mais de setecentas mil mortes; está lá também, lateralmente, o direito ao holocausto palestino em curso, no qual Netanyahu assassina civis pela fome e pela sede.

Não foi apenas a defesa do golpe que se consubstanciou naquele voto. Ali também se reafirmou o uso do direito como corrosivo da democracia. Corrosivo que age por dentro, que rói as estruturas sem alarde. E este talvez seja o aspecto mais tenso para quem ainda se considera democrata: porque justiça no Brasil não é o que se passa sob as luzes do Supremo, mas o que se exerce nos esgotos da primeira instância e nas latrinas um pouco mais perfumadas da segunda. O que Fux fez foi dar solenidade de plenário ao mesmo esgoto.

Seu voto não foi apenas pró-Bolsonaro, não foi mera adesão a um bando de golpistas. O voto de Fux foi mais ambicioso: um chamamento ao fascismo brasileiro. Um salvo-conduto oficial para quem atentar contra a democracia. Apitou para a cachorrada de primeira instância: podem continuar a prender pobres e pretos, podem continuar a cometer todas as injustiças possíveis contra os de baixo; qualquer entrevero, eu mato no peito aqui em cima.

E fez isso de modo lamuriento, quase teatral, apoiando-se em longas citações de juristas democráticos. Ferrajoli — refinado jurista italiano, um dos mais importantes garantistas do direito — tornou-se a estrela da manhã, da tarde e da noite, iluminando o percurso infinito do interminável voto. Era Fux usando Ferrajoli, era Fux manipulando a própria democracia para… golpear a democracia. Da mesma maneira que Joaquim Barbosa usou o “domínio do fato” para forjar condenações, ainda que o próprio criador da teoria, Claus Roxin, houvesse se manifestado contra tal “interpretação free style”.

Nos raros momentos em que não citava juristas democráticos para destruir a democracia, corria para seu segundo arsenal retórico: a mitologia estadunidense ensinada aos vira-latas latino-americanos. Seguindo a liturgia habitual, Fux desfiou o rosário vira-latas: começa-se pelos “pais-fundadores” — conceito já indigesto por si — para depois desfilar os presidentes dos Estados Unidos, como se ali houvesse uma sequência ininterrupta de homens virtuosos, generosos, quase sobre-humanos. Homens, sempre homens. O raciocínio subentendido era de que, se houvesse justiça biológica na melhoria da espécie humana, os bancos de esperma do mundo deveriam ser obrigados a recolher material genético nessa linhagem. Na mente fuxiana, Trump alaranjaria o mundo e, para ele, isso seria a própria perfeição da espécie.

Em linhas gerais, o voto de Fux foi Fux na essência. Sua ligação xifópaga com a criminosa quadrilha lavajatista e sua devoção a Joaquim Barbosa, servil operário do fascismo brasileiro, sempre foram de conhecimento público. Barbosa foi o primeiro a destapar o bueiro fascista que desembocaria na Lava Jato e, de lá, no bolsonarismo. Se “o menino pobre que salvou o Brasil” pariu o lavajatismo, o rocambolesco Fux quer ser o parteiro do pós-bolsonarismo. Ontem, Fux apenas emulou seu predecessor, afinando o tom para a mesma partitura, dando régua e compasso ao sucedâneo do integralismo brasileiro.

Apesar de nada de novo ter acontecido, o que surpreendeu a todos foi o seu andar trôpego e embriagado sobre a Constituição brasileira, que foi citada apenas para colher o número de algum artigo, mas em nenhum momento para a interpretação desse mesmo artigo. A Constituição flutuou como auxílio luxuoso ao seu próprio vilipêndio. O que surpreendeu a todos foi que o fuxiano voto, oco, vazio em substância e nulo de sentido, inaugurou a próxima etapa da corrosão institucional da democracia — uma etapa que nem Steven Levitsky nem Daniel Ziblatt imaginaram em Como as Democracias Morrem: o uso das cortes superiores de justiça como agentes ativos da destruição da democracia.

Ontem, o malandrão de praia, parte do bioma netanyahu-bolsonaro-trump, viveu seu dia de glória. Como num chá-revelação, firmou-se em definitivo como ministro-fascista; ou fascioministro, como recomenda a reforma ortográfica.
E, nesse sentido, Fux, ontem, brilhou.
Brilhou como brilha uma lâmpada fria de necrotério: sem calor, sem vida, mas suficiente para expor o cadáver sobre a mesa.

Se a sociedade brasileira não reagir, rapidamente e com força, Fux terá atingido seu fascistossionista propósito: matar a democracia. Democraticamente, matar a democracia.

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