27/06/2025
O Brasil não nos dá descanso! No mesmo dia em que o IBGE nos presenteia com a excepcional notícia de que o desemprego caiu para 6,2% e de que a formalização do trabalho, a tal carteira assinada, atingiu níveis históricos — espécie de primavera tardia no mercado de trabalho —, somos brindados com outra revelação, esta de tom escatológico: as mulheres evangélicas são, de longe, as campeãs nacionais em fecundidade.
Com média de 1,7 filho por mulher, as evangélicas vêm povoando o nosso futuro com fervorosa diligência. Essa notícia deve ter sido recebida com júbilo nos púlpitos-gazofilácios do país, onde a aritmética da salvação é elementar: mais empregos significam mais dízimos; mais filhos, mais ovelhas. Para os rapinantes da fé, nada como um rebanho crescente e obedientemente endinheirado.
Uma leitura algo pessimista dos dados publicados pelo IBGE sugere que o Brasil caminha, com ritmo firme, rumo a um santuário pentecostal de proporções continentais. Como já amplamente estudado, nos lares evangélicos a infância é um batismo diário: a criança ainda mal articula as sílabas, mas já aprendeu que existe um Deus vingativo e um diabo permanentemente empenhado em roubar-lhe a alma. Nesse universo, o mundo se divide entre o que é de Deus — esse Deus com nome, endereço e CNPJ do pastor — e o que é do capeta, categoria suficientemente ampla para abrigar o restante da humanidade (à exceção dos judeus, que, como todo pentecostal sabe, são o povo escolhido por Deus).
É claro que se poderia argumentar que o catolicismo também carrega uma longa tradição de catequese doméstica, e isso seria verdade. No entanto, há um dado menos animador: os católicos, ao que tudo indica, andam procriando menos. Ainda que a taxa de fertilidade fosse semelhante, sabe-se que não se conquista território apenas com hóstias: é preciso volume humano, números, legiões de pequenos fiéis marchando rumo ao púlpito. E, nesse quesito, os evangélicos têm sido mais produtivos e eficientes. A linha de montagem do proselitismo segue a pleno vapor. Hoje temos, aos montes, pastores mirins; amanhã, quem sabe, uma geração de obreiros ainda de fralda. A picaretagem nunca se impôs limites e não é agora que o fará.
Sem julgar a fé alheia, há algo perigoso nessa simbiose entre fervor religioso e pujança demográfica. É, no mínimo, preocupante que o futuro da república possa estar sendo gestado, neste exato instante, na alta fecundidade pentecostal; ali, onde cada nascimento é celebrado entre um salmo e um louvor, o projeto de um país laico pode estar sendo reduzido a uma peça decorativa da Constituição.
A boa nova é que nem todos os filhos de pentecostais seguem os passos dos pais. Alguns se desgarram, desviam-se, questionam, rompem. Talvez haja, no meio desse crescimento geométrico, um contingente suficiente de futuros agnósticos, críticos, ateus e budistas de garagem capaz de manter algum grau de diversidade no ecossistema espiritual brasileiro. Neles repousam as últimas esperanças de um país minimamente arejado, onde se possa crer, ou não, sem risco de ser apedrejado pelo altar da esquina.
Enquanto seguimos de carteira assinada na mão, Bíblia debaixo do braço e dízimo no Pix, que rezem, os que ainda oram, para que a próxima geração venha com anticorpos democráticos capazes de resistir ao contágio da teocracia disfarçada de avivamento. Caso contrário, o Evangelistão já não baterá à porta. Entrará com desenvoltura pela sala, puxará uma cadeira e perguntará, com um sorriso messiânico e um olhar no seu bolso: “Já aceitou Jesus como seu único e suficiente salvador?”
