Ria, ria muito, ria sempre do fascismo

Trump faces backlash

Ria, ria muito, ria sempre do fascismo

Edward Magro | 07/09/2025

Donald Trump, em sua inesgotável capacidade de se degradar um pouco mais a cada dia, publicou ontem, em sua própria rede social — esgoto fascista batizado de Truth Social —, uma montagem inspirada em Apocalypse Now: helicópteros sobre Chicago e uma bola de fogo, acompanhados da legenda: “Adoro o cheiro de deportações pela manhã.”

Apesar da firme resposta do governador de Illinois, JB Pritzker — “Donald Trump não é um homem forte, é um homem medroso. Illinois não se deixará intimidar por um aspirante a ditador” —, o efeito deletério do meme trumpista não deve ser subestimado.

Sentir prazer em deportações ao amanhecer é próprio de quem encontra no sofrimento alheio o gostoso gosto de um café expresso bem tirado — forte, rápido e, no caso, cruel. Manhã, tarde ou noite, a hora é irrelevante. Deportar significa arrancar pessoas de seu chão, algemar famílias, trancafiá-las em centros de detenção e, como noticiam veículos estadunidenses, submetê-las à violência física e sexual. Nada disso poderia figurar na agenda de qualquer ser humano decente.

Mas Trump é precisamente isso: um espécime dejeto que transforma sua própria crueldade em espetáculo. Ele sabe que o ódio é o cimento de seu rebanho. Para que a alvenaria não rache, precisa de tijolos diários de brutalidade. Seu sadismo performático, servido com repulsivo mau gosto, alimenta os instintos mais rasteiros dos que o seguem com devoção. A alfafa do seu gado é a dor alheia.

Mas, nesse caso específico, o problema, contudo, não se limita ao repulsivo deboche. Quando um presidente transforma a violência em humor matinal, reduz a própria função presidencial a brinquedo de ego adolescente. O cargo, que deveria simbolizar o pacto democrático, converte-se em palco de vaidades e memes. O efeito pedagógico é devastador. Fitando o infantil ancião alaranjado, milhões de cidadãos podem passar a crer que a democracia é irrelevante, mero mecanismo capaz de alçar qualquer criatura caricata ao topo do poder.

O fascismo, embora assuma formas distintas de país para país e de época para época, carrega traços universais; entre eles, o destroçamento da democracia, que pressupõe a existência do diálogo como mediador dos interesses públicos. O fascismo não sobrevive enquanto houver mediação: ele é, por natureza, a não-mediação, a imposição pela força. Onde há diálogo, asfixia. Onde há mediação, definha. Controlar o Estado é sua condição de existência, pois apenas como único mediador entre poder e sociedade consegue legitimar sua imposição.

Dissolver a sacralidade que reveste o cargo presidencial e vulgarizar, aos olhos desatentos da cidadania, a importância daquele que é escolhido como representante máximo da democracia constitui condição essencial para o fascismo. O presidente de uma democracia é, por definição, a figura mais antagônica possível de um ditador.

Ao transformar a dor alheia em espetáculo, ao exibir sua crueldade como rotina, Trump não se revela apenas vil, torpe, pequeno; corrói símbolos centrais do edifício democrático estadunidense. Gesto covarde e abjeto, mas eficiente em sua estratégia de erosão institucional.

Essa abjeção epifânica não nos é estranha. Há três anos, no 7 de Setembro em que o Brasil comemorava duzentos anos de Independência, Bolsonaro transformou a data cívica em comício privado, ladeado por Silvio Santos, Edir Macedo e pelo Louro José travestido de Véio da Havan, enquanto o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, escanteado, assistia — entre incrédulo e constrangido — ao mais nauseante discurso da História do Brasil, cerejado pelo vomitativo coro de “imbroxável”.

O fascismo, afinal, é o assalto ao espaço público em benefício próprio, o esquecimento proposital da memória coletiva pela revisão celerada da História, a demolição dos contratos sociais e dos ritos democráticos, a apropriação do Estado pelo autoritarismo exacerbado. O fascismo não é apenas uma crise ética. É também, e sobretudo, uma crise estética. Nada é mais feio do que o poder sequestrado, vestido de caricatura. Nada mais insuportável do que a democracia reduzida a uma broxável piada de mau gosto.

Se, ainda que inadvertidamente, rirmos do irrisível produzido por um fascista, o fascismo se instala. Não como tempestade repentina, mas lentamente, por golpes sequenciais, por golpes dentro de golpes, como anistia a quem sente prazer em deportar militantes para a “ponta da praia”, na forma de liberdade a quem sente prazer em sufocar, com cloroquina, moribundos em dispneia terminal. Se rirmos disso, já não restará democracia a ser defendida, mas apenas sua sombra grotesca, projetada no muro frio de um regime que nos devolve, sorrindo, um riso mortificado

A sabedoria está em não rir com o fascismo, e sim rir do fascismo. Nosso riso será livre e libertador, pleno e intenso, gostoso e gozoso, se for o riso de quem chora ao ver uma família sendo deportada, se for o riso que ri ao ver o choro de um fascista sem anistia!

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