12/06/2025
Foi o clima que nos salvou. Não foi o STF, não foi a política. Menos ainda a Polícia Federal. Tampouco as Forças Armadas — estas, sempre com um pé no desfile cívico e o outro na anarquia institucional. O que nos resguardou da quartelada tropical de 2023 foi o clima — ou, para ser mais exato, a ausência dele. Quem nos brinda com essa pérola analítica é o arguto jornalista Leonardo Sakamoto que, atento às oitivas dos réus do golpe, cravou: “a falta de clima não gerou o golpe”. Traduzindo: se houvesse clima, haveria golpe.
Simples assim. Se chovesse, molhava.
Por mais inverossímil que pareça, o preguiçoso Jair Messias até se esforçou. Suspendeu temporariamente os negócios com Fabrício Queiroz para se dedicar com afinco a motociatas, tratoradas, rodas de sanfona — fez tudo o que não exigisse esforço físico ou aptidão intelectual. Passou quatro anos montando seu cenário apocalíptico, tentando, sem descanso, provocar a tempestade perfeita. Sempre de olho no futuro, fez questão de exibir sua ignorância sobre o que é golden shower; na fila do beija-mão, tascou um “I love you” para Trump; fez uma live aqui, um “e daí?” acolá, um kit cloroquina para cada lar, um “peguem o Alexandre” no cercadinho. Poeta da conspiração e eterno operário do caos, o miliciano se esforçou para, ao final da empreitada, declarar no curralzinho do Alvorada: habemus clima!
Na reta final, após ter perdido a eleição na qual torrou mais de R$ 500 bilhões dos cofres públicos, o esforço se intensificou. Convocou, no Alvorada, o alto comando da ignorância para ajudá-lo na tarefa de “climinizar” o país. Entraram em cena, sem pompa nem circunstância, as maiores cabeças do bolsonarismo. Grandes cabeças como Carluxo e a deputada das tiaras nazistas; cabeças brilhantes como Bananinha e Daniel Silveira; e ainda cabeças-cabeças como Magno Malta, Marcos do Val, Kim Kataguiri, Carlos Jordy e Nicole Chupetinha, entre outros gênios da genialidade contemporânea.
Foi um festival de originalidades muito originais (perdoem a repetição de pleonasmos desnecessariamente necessários). Criaram comitês de adoração a pneus (sim, pneus), grupos de rezadores munidos de celulares que conversavam com as “antena arpi”, comunidades espirituais de batedores de cabeça em muros de quartel — como se os militares fossem Jeová e o asfalto, o Monte Sinai. E, claro, a brigada “Amigos da Esposa do General Villas Bôas”, um clube místico-político-delirante que acampava em frente aos quartéis com fervor quase religioso. Não fumavam maconha como em Woodstock — usavam outras drogas, bem mais pesadas. Sobrava dinheiro do agronegócio, mas não havia música, nem liberdade, muito menos banho. No lugar de Janis Joplin, cantavam em jogral: “Forças Armadas, salvem o Brasil!”, para alegria dos milicos saudosos da ditadura de 64, do outro lado do muro. Eu assisti, em Brasília, a esse furibundo e aterrador espetáculo do nono círculo do inferno dantesco.
E para que tudo isso? Para gerar o “clima”.
Queriam provocar a catarse nacional que justificasse o atalho autoritário. Seu objetivo secreto — mas nem tanto — era produzir um novo Adélio. Alguém com o dom especial de errar facadas com precisão, pois sangue, ainda que cênico, tem sido a chave da vitória dos fascistas. É a arma mais eficaz da extrema-direita: o espetáculo da violência como estratégia de marketing eleitoral. Em 2018, a performance de Bolsonaro com a bolsa de colostomia deu certo. No ano passado, Trump seguiu roteiro semelhante. E hoje, há um fascista convalescendo num hospital em Bogotá, sendo cuidadosamente esculpido pela mídia para vencer a próxima eleição presidencial da Colômbia. Ferimento estratégico, silêncio familiar e um “atirador” ou “esfaqueador” amalucado, distante de parentes — essa é a receita da cartilha de Steve Bannon que tem produzido os melhores resultados eleitorais.
(Um breve parêntese) Nos Estados Unidos — país que ainda vive no pré-helenismo, com a liteira da política atolada na mais extrema barbárie — o show foi ainda mais espetacular. Um tiro que, milagrosamente, só atingiu a orelha de Trump. E o que é uma ponta de orelha para um homem que nunca ouviu ninguém além de si mesmo? Mesmo no país com a mais vasta experiência em assassinar presidentes, o atirador errou oito tiros e morreu no instante em que atirou, alvejado por snipers que, segundo a polícia, estavam ali “por precaução”. Por graça do destino, as balas destinadas ao fascista alaranjado conseguiram atingir apenas sua enorme orelha, desviando-se respeitosamente de todas as partes letais do corpo.
Em 2022, faltou, como diria Sakamoto, o “clima”. O teatro estava montado, mas o público não veio. Não houve catarse, não houve faísca, não houve milagre. Adélio não compareceu à festa.
Apesar do empenho das hordas zumbis do bolsonarismo, ao contrário do que aconteceu com a adolescente venezuelana ou o garoto colombiano, não “pintou um clima”. Tudo o que o esforço bolsonarista conseguiu produzir foram o cocô da dona Fátima de Tubarão e a erisipela do miliciano genocida — que é, aliás, a única marca visível de sua passagem pelo poder: uma perna inchada e infeccionada, metáfora viva de seu governo gangrenado.
Por não ter “pintado um clima”, escapamos, por pouco, de uma realidade paralela em que torturadores estariam no comando, o patrimônio público já estaria integralmente loteado entre os amigos do Pix, o neopentecostalismo seria a religião de Estado, Malafaia já estaria sentado no trono de vigário-geral da República (não confundir com vigarista), e o sertanejo-ogronegócio teria sido elevado à condição de patrimônio imaterial da pátria.
Por ora, graças à bendita ausência de clima, ainda respiramos.
